Durante toda a
minha vida profissional eu fui testemunha de vários acidentes de
trabalho, na sua grande maioria com pouca gravidade. Antes de eu ser Técnico em Segurança dois acidentes
me chamaram a atenção - em ambos os casos levaram as vítimas a
óbito.
O primeiro
acidente ocorreu em 1986 quando eu trabalhava no Departamento Pessoal de uma Destilaria de Álcool. O mais curioso
é que na
semana que antecedeu este acidente o funcionário me procurou e
deixou sua carteira de trabalho para que eu fizesse algumas atualizações, porque
recentemente ele tinha sido promovido a Tratorista e não
queria, nas palavras dele, “ficar desprotegido se por caso ocorresse
algum acidente”.
Numa
sexta-feira eu cheguei para trabalhar e notei um clima estranho
na empresa e ao passar pela portaria o Vigia da noite me
comunicou: “fulano de tal sofreu um acidente e faleceu” –
procurei saber dos detalhes e fui informado que ao tentar subir
um barranco o trator virou sobre o funcionário. Testemunhas que
foram ao local disseram que o volante do trator chegou a
entortar quando bateu na cabeça do tratorista, além de causar
esmagamento de tórax, enfim, foi uma morte trágica e vocês não
queiram saber como é triste quando ocorre um acidente de
trabalho desse tipo, sobretudo com pessoas que são do seu
convívio diário. A consternação é total e o ambiente de trabalho
fica péssimo, mas isso ainda é possível administrar, agora a
vida da pessoa que se foi não tem como remediar.
Outro caso ocorreu nos anos 90 quando eu já estava em outra empresa
ainda atuando no Departamento Pessoal, só que dessa vez como
Encarregado.
Eu tinha ido a
cidade vizinha buscar uma colega de trabalho para ir ao cinema,
quando retornava pela rodovia passei em frente à empresa em que
trabalhava e vi uma concentração de gente muito grande, até
comentei com a minha colega: “Deve ter acontecido algum acidente
grave” – acabei não parando o carro, pois não passou pela minha
cabeça que pudesse ser com algum funcionário, até porque há um
ponto de ônibus em frente da empresa que é utilizado por
funcionários de várias
firmas que tem por ali, já que essa região é um parque
industrial.
Segui adiante,
assisti ao filme e acabei me esquecendo do que tinha ocorrido -
não me lembrei daquele episódio nem na volta quando eu tive que
passar em frente ao local do acidente para deixar minha colega
na cidade onde eu havia buscado. No outro dia quando eu cheguei
para trabalhar encontrei aquele ambiente tétrico - todos com cara
de poucos amigos. Obviamente que eu fiz uma brincadeirinha básica,
perguntando o porquê daquelas caras e a resposta foi a seguinte:
“Você não está sabendo? Fulano de tal morreu ontem à noite.” –
foi aí que eu me lembrei da aglomeração de pessoas do dia anterior.
Como a empresa
é muito grande eu não me recordava de todas as pessoas,
principalmente do pessoal do turno da noite com quem eu tinha
pouco contato. Imediatamente eu subi até a minha sala e fui
verificar de quem se tratava – quando o
acidente ganha um rosto fica ainda mais chocante.
Procurei saber
de imediato como tinha acontecido e me relataram em detalhes,
pois não teve só uma testemunha, mas dezenas delas. A história
desse acidente foi no mínimo curiosa e eu digo isso porque
ocorreu durante o expediente, só que no intervalo do jantar –
como isso poderia ter ocorrido nesse horário? Bom, o acidentado
tinha comprado uma moto de 125 cilindradas e estava vindo todos
os dias para o trabalho com essa motocicleta, até aí tudo bem!
Só que durante o intervalo da janta enquanto os outros
funcionários ficavam em frente à empresa esperando o término do
intervalo - ele saía com a moto para dar “umas bandas” pelo
bairro vizinho.
Nesta empresa o
estacionamento das motos é separado dos
carros, próximo de uma movimentada rodovia e logo ao lado fica o ponto de ônibus onde a frequência para embarque e
desembarque de passageiros é de 15 em 15 minutos. Quando o
funcionário saiu com a moto, havia um ônibus parado tapando a
sua visão, ao tentar atravessar a rodovia foi colhido por um
veículo que muito provavelmente não respeitava o limite de
velocidade.
A dedução
lógica para esse trágico acidente foi simples, ao tentar
atravessar uma rodovia nós verificamos se vem algum veículo em
nossa direção, isso todos nós fazemos, inclusive a pessoa que
sofreu o acidente, mas nesse caso o ônibus
impedia a sua visão. Ao olhar se algum veículo estava vindo ele
tinha como referência a parte de trás do ônibus, mas com o
movimento de entrada e saída de passageiros, isso ficou
comprometido e por uma fração de segundos o veículo que se
envolveu no acidente poderia estar justamente passado ao lado do
ônibus no instante que ele resolveu atravessar a rodovia.
O erro do
funcionário foi não ter tido a cautela de
verificar se era seguro passar por ali – talvez a confiança ou
a pressa de ganhar alguns minutos fez com que ele atravessasse a
rodovia sem maiores cuidados – esse erro custou-lhe a vida.
Esse acidente
é peculiar e possui duas faces: A primeira é a imprudência do
motoqueiro em tentar cruzar a rodovia com a moto passando pelo
canteiro central - a segunda, nós também podemos caracterizar como
imprudência do motorista, porque ao nos aproximarmos de ônibus
parados em uma rodovia que haja duas pistas, devemos tomar a
pista da esquerda e reduzir a
velocidade, isso melhora a visão do motorista e aumenta a
possibilidade de reação. Se nós procurarmos mais atentamente
podemos verificar que há placas de sinalização de trânsito
alertando para o perigo, além do mais, as paradas de ônibus
ficam localizadas sempre do lado direito.
Cada acidente
nos ensina algo precioso e este em específico fica a lição de
que: “Por mais que você esteja atento
ao perigo, ainda é pouco – se precisar checar a sua atitude mais de uma
vez antes de qualquer procedimento perigoso, é melhor que faça.”
Na época esse
caso não ficou caracterizado como acidente de trabalho pelo
motivo do funcionário ter se ausentado da empresa sem
autorização durante o expediente de trabalho.
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